Bolsas & Famílias

1 02 2009

Por incrível que pareça, o texto a seguir foi escrito por Míriam Leitão, do Jornal O Globo. Apesar de ser conservadora e na maior parte das vezes defender os grandes especuladores da economia mundial, nesse texto ela dá uma abordagem diferente da sua crítica costumeira.

Quando o governo ampliou o Bolsa Família, entendeu-se como gastança federal. Quando o BNDES comprou ações da Aracruz e da Votorantim, entendeu-se como medida contra a crise. Com a primeira decisão, o governo vai gastar meio bilhão de reais e beneficiar 1,3 milhão de famílias pobres; com a segunda, está gastando dois bilhões e meio de reais para beneficiar quatro famílias ricas.

No primeiro caso, o governo está incluindo no programa quem tem renda familiar de R$ 137 per capita por mês. No segundo caso, é impossível calcular a renda familiar dos beneficiados. O grupo Votorantim, da família Ermírio de Moraes, e a Aracruz, das famílias Lorentzen, Almeida Braga, Moreira Salles e Safra, fizeram maus negócios na aposta no mercado futuro de câmbio. Perderam muito dinheiro. O BNDES financiou a compra da Aracruz pela Votorantim e ele mesmo comprou um bloco de ações, pagando acima da cotação de mercado. No dia seguinte, o valor das ações caiu mais e os avaliadores de risco deram às ações perspectiva negativa. Sinal de que era um mau negócio e que a junção das duas empresas havia criado outra muito endividada, à qual o BNDES se juntou como um dos donos. (…)

No Brasil há quem se escandalize cada vez que aumenta o gasto com os pobres, e não faz conta alguma do que o Estado gasta com subsídios aos ricos. Os empréstimos do BNDES são com taxas de juros mais baixas do que as pagas pelo Tesouro para se financiar. Há um gasto do Tesouro implícito.

O Bolsa Família não é entendido nem por quem o faz. Tem sido temido pela oposição, que vê nele a razão da popularidade do presidente Lula. Tem sido defendido pelos petistas, pela mesma crença. É criticado por quem acha que esse dinheiro está sendo subtraído da educação. É atacado por falsos fiscalistas, que não veem os grossos volumes de dinheiro que saem pelos muitos ralos que subsidiam os ricos no Brasil. É desmoralizado por quem, no governo, acha que a exigência de contrapartida e a fiscalização podem ser negligenciadas. (…)

Os pobres deveriam ter preferência no dinheiro público. Nunca tiveram, nem mesmo agora. Uma rede de proteção social é ação civilizatória. Mas os avanços dos estudos das políticas sociais já provaram que melhor é construí-la não como um fim em si, mas como um meio de pavimentar o caminho para a mobilidade social através da educação.

Não há conflito entre recursos para o Bolsa Família e recursos para a educação. Recentemente, conversei com uma professora de alfabetização do ensino público do Espírito Santo. Ela dá aulas na parte mais pobre de Vitória, e lá 70% das crianças estão no Bolsa Família. O programa tem foco.

O erro do lulismo é que mesmo com o mérito de ter ampliado o antigo Bolsa Escola para o Bolsa Família, no fundo, vê o programa como arma eleitoreira. A maneira correta de fazer essa transferência do dinheiro dos impostos aos mais pobres seria a mais impessoal possível, não como um favor paternalista de uma espécie de “pai dos pobres”, mas como direito do cidadão. Milhões desses pobres jamais serão absorvidos no mercado de trabalho. Não por culpa deles, mas pelos erros do país que os relegou ao analfabetismo e à privação crônica. Os filhos deles, no entanto, têm muita chance. Se persistirmos.

Retirado do site: http://oglobo.globo.com/economia/miriam/post.asp?t=bolsas-familias&cod_Post=157759&a=496


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